Conto "The Dream" - Capitulo unico



Uma escuridão sem fim tomou conta de mim.

Meus braços, minhas pernas, meu corpo inteiro estava duro como uma pedra, pesado. Eu não conseguia me mover.
Não sei quem sou, não sei de onde vim, não sei quem são meus pais, não sei nada sobre minha origem. A única coisa que sei é que estou preso em uma escuridão sem fim. Eu não existo.
Quando meu pulmão começou a enrijecer e o ar ficar pesado, eu senti as pontas dos meus dedos das mãos e dos pés formigarem e aos poucos todo o resto do corpo. Seja lá o que tivesse acontecido, eu estava voltando. Eu voltei a respirar com facilidade, mas era como se o ar não enchesse meus pulmões, era como se eu não precisasse do ar para sobreviver.
Antes que eu pudesse abrir os olhos, minhas mãos e meus braços voltaram a ter vida, eu conseguia sentir o que tinha a minha volta. Parecia ser uma grama, não tão grande e não tão curta, parecia estar molhada, ou da chuva ou do sereno, a chuva eu descartei, porque assim que comecei a sentir todo o meu corpo, percebi que ele não estava molhado.
A audição foi o seguindo sentido a voltar. Era um silencio absoluto, não se podia ouvir vozes ou barulhos de carros ou qualquer outra coisa que mostrasse que eu estava na minha casa ou próximo a ela. Eu só conseguia ouvir de longe os grilos, algumas cigarras e o vento, mais longe podia-se ouvir também o barulho de algum pássaro noturno que eu não sabia qual.
- Jonas? É você que está aí, meu anjo? Venha, está na hora.
Alguém de muito longe me chamava. A princípio eu não conseguia distinguir aquela voz, só sabia que vinha de muito longe dali. Ela continuou a me chamar e depois de algumas vezes eu consegui perceber que era a minha tia a quem eu estimava muito, mas ela não estava mais entre nós, ela já havia morrido há muitos anos atrás. Será que ela não percebeu que eu estava imóvel no chão? Porque ela não vinha me ajudar?
Foi então que o terceiro sentido começou a funcionar novamente, o Olfato.
Foi como se eu tivesse voltado no passado apenas sentindo aquele cheiro maravilhoso de bolinho de banana que minha tia fazia sempre que eu a visitava, alguém ali perto estava preparando e com certeza logo me achariam e me tirariam dali. Depois eu senti cheiro de frutas maduras, as mesmas frutas que ficavam na fruteira bem na entrada da casa da minha tia. Era ela que estava ali, eu estava na casa dela, mas como isso estava acontecendo? Eu só poderia estar sonhando.
O cheiro de terra molhada me lembrava os dias de verão na casa da praia. Aqueles cheiros me lembravam tantas coisas boas que por um momento desejei ficar ali deitado sem poder me mover como eu estava até agora. Não queria que ninguém me tirasse desse meu retiro.
- Venha meu querido, os bolinhos vão esfriar. A tia fez um copo cheio de café com leite do jeito que você gosta. Ele está bem quentinho.
Ela continuava a me chamar. A voz dela parecia estar tão perto do meu ouvido, mas as vezes parecia se distanciar muito rápido.
- Me tire daqui, tia. Porque eu não consigo abrir meus olhos?
Eu consegui então falar e não apenas pensar, mas ela não me respondeu. Chamei ela mais algumas vezes, mas ela não me respondia. Eu ainda continuava sentindo os cheiros maravilhosos, o barulho dos grilos e das cigarras, mas ela não me respondia.
Com muito esforço consegui levantar e ficar sentando na grama molhada e depois meu corpo ficou leve, nada mais me segurava naquele chão, mas do que adiantava eu poder andar agora se eu não podia enxergar nada e nem sabia aonde eu estava.
- Tia, me ajude a sair daqui, eu não consigo enxergar nada.
Eu não sei porque eu chamava por ela, aquilo parecia loucura, ela estava morta e era impossível que ela estivesse aqui. Eu não acreditava que estava sonhando porque tudo era muito real, todas essas sensações eram muito reais para que eu estivesse sonhando.
- Jonas, abra os olhos, você consegue.
- Eu estou tentando tia, mas eles estão grudados.
- Não seja dramático meu querido, você consegue.
Ela parecia estar brava agora. Eu não estava fazendo birra, eu só não conseguia abrir meus olhos, eles pareciam estar colados com uma cola muito forte.
- Abra os olhos agora Jonas – Ela gritou comigo, foi um grito que ecoou dentro dos meus ouvidos e sem explicação alguma, meus olhos se abriam.
Aonde eu estava? Que lugar era esse?
Assim que meus olhos se abriram, eu fui tomado por uma luz branca muito forte que no mesmo instante quase me cegaram, depois tudo começou a tomar forma.
Eu estava sentado em um campo enorme que não parecia ter fim, tinha uma vegetação seca e rasteira como se fossem plantações de trigo. Era dia e o céu estava azul, um azul que eu nunca tinha visto antes, tudo parecia muito mais vivo e as sensações eram muito mais fortes.
Não havia nada por perto, nenhuma casa, ninguém estava ali. Os grilos que faziam parecer que era noite não cantavam mais, o cheiro do bolinho e das frutas desapareceram e a grama que não era grama não estava mais molhada. Ainda assim era tudo muito lindo, aquele lugar me trazia uma paz indescritível.
Levantei sem dificuldade nenhuma e comecei a andar, mas parecia que eu estava sempre no mesmo lugar, a paisagem era a mesma por mais que eu andasse.
De repente o cenário começou a mudar, foi então que eu tive a certeza de que estava sonhando. Uma rua apareceu do meu lado, uma rua longa que parecia não dar em lugar algum. Era uma rua de barro e na medida que eu andava, algumas arvores foram aparecendo. Arvores grandes com as copas que pareciam tocar o céu. Alguns pássaros voavam de um lado para o outro criando ninhos nas arvores e muitas borboletas amarelas pousavam em algumas flores brancas de miolo amarelo que se misturavam à vegetação rasteira. Eu lembro que minha tia tinha muito dessas flores na casa dela no verão. Margaridas.
Depois de muito andar, no final da rua eu conseguia avistar uma casinha de madeira muito simpática, com uma chaminé que de lá saia uma fumaça branca. A visão daquela casa me trouxe paz, segurança. Finalmente eu cheguei a casa da minha tia.
Dei mais dois passos e num passe de mágica eu estava na entrada da casa, do jeitinho que eu me lembrava dela. As paredes pelo lado de fora eram todas brancas com algumas manchas deixadas pelo tempo e alguns furos que os cupins faziam. A porta marrom, assim como as janelas.
Subi a pequena escada de três degraus e assim que eu entrei estava na cozinha. Logo na porta a fruteira com muitas frutas maduras que exalavam um cheiro maravilhoso pela casa. Maças, bananas, goiabas, abacaxi, pêssego, o meu favorito e nectarina. O bule de café estava em cima do fogão e alguém tinha acabado de passar, do lado uma chaleirinha com leite bem quente.
As cortinas da cozinha balançavam bem lentamente com o vento fresco que entravam pela janela. Uma cortina curta que ia até a metade da janela e era quase transparente. Em cima da mesa tinha um prato cheio de cheirosos bolinhos de banana cobertos com açúcar e canela. Sentei rapidamente em frente aquele prato e aquele copo fumegante de café e sem esperar alguém aparecer, ataquei. Mesmo sabendo que aquilo só poderia ser um sonho, eu podia sentir o gosto do café maravilhoso que minha tia fazia e do bolinho. Era muito real para ser um sonho e se fosse, eu não queria mais acordar dele.
Eu já estava cheio, sobraram só alguns no prato. Me joguei na cadeira e fechei os olhos tentando respirar de tão cheio que eu estava.
- Meu menino, você não mudou nada, que saudade que eu estava de você.
Eu olhei para todos os lados, mas ela não estava ali, o som da sua voz parecia vir de outro cômodo, mas estava tudo tão escuro.
Saí da cozinha e entrei em um corredor que dava para a sala e nas paredes tinham algumas portas que davam para os quartos e no final do corredor uma porta que dava para os fundos da casa.
A sala estava escura, estava tudo do jeito que eu lembrava. Em uma das paredes tinha uma estante grande que ia até o teto. Tinha uma TV que estava desligada, alguns enfeites e quadros com todos os meus parentes. Nas paredes também tinham alguns quadros, mas em todas as fotos em que ela estava, eu só conseguia ver um borrão.
Abri um dos quartos e era o quarto da minha tia. A cama estava arrumada. De longe eu sentia o cheiro do travesseiro de marcela que era trazido até mim pelo vento que entrava pela janela entreaberta. Os chinelos de pano que ela costumava usar estavam enfileirados direitinho ao lado da cama. Tinha também uma penteadeira com alguns vasos de flores e alguns perfumes.
Saí do quarto e continuei andando até o final do corredor para chegar do lado de fora da casa na parte dos fundos.
- Que bom te ter aqui meu sobrinho querido, aqui as vezes é tão sozinho, tenho me sentido tão sozinha nesses últimos dias.
Olhei rapidamente para trás, mas estava tudo vazio e escuro. Até mesmo a cozinha que antes era iluminada pelos raios de sol que entravam pela janela, agora estava escura e perfeitamente arrumada. Eu sei que nesse momento eu já deveria estar com medo por todos os fatos, mas eu não sentia mais isso, eu só queria encontrar ela, abraça-la e dizer que eu também senti muita saudade, mas eu não a encontrava em lugar nenhum.
Cheguei aos fundos da casa. Tudo era murado com cerca viva, tinha uma arvore bem no centro do terreno, uma arvore baixa de jabuticaba que estava carregada. Corri até lá e comi o máximo que pude comer da fruta. A grama estava verde e bem aparada, em alguns lugares ela era falhada e dava para ver a terra seca por debaixo.
Estava tudo tão calmo, o vento soprava de leve e o sol não queimava.
- Tia, aonde você está? Vem aqui, o pé de jabuticaba está carregado.
Nesse momento o vento soprou mais forte e a arvore começou a crescer rapidamente cobrindo toda a casa e as folhas iam descendo e se juntando com a cerca viva. Alguns raios de sol entravam pelas folhas, mas foi ficando tudo muito escuro rapidamente.
Corri para dentro de casa o mais rápido que pude e assim que alcancei o interior da casa a porta se fechou atrás de mim fazendo um barulho estrondoso.
Assim que entrei, percebi que a TV estava ligada, mas não passava nenhum programa nela, eu só conseguia ouvir o ruído de quando está fora do ar. Andei lentamente até lá e lá estava ela sentada no sofá e sorrindo para mim.
Ela não se parecia nenhum pouco de como eu tinha visto da última vez. Seus cabelos estavam soltos e o seu olhar tão cheio de vida. Ela tinha agora um sorriso de felicidade e não mais aquela feição de dor e de medo que a acompanhavam nos últimos dias.
- Aqui é tudo lindo, meu querido. Aqui não existe dor. Venha. – Ela me convidou para que eu sentasse ao seu lado.
Assim que sentei ao lado dela, ela me aninhou em seus braços e me envolveu em uma aura de paz que a muito tempo não sentia.
- Eu não pude me despedir, me desculpa. – Eu falei por impulso, eu precisava de alguma forma dizer aquilo porque eu nunca me perdoei por não a ter visto pela última vez.
- Você não precisa se desculpar por nada meu querido, agora estamos bem, aqui não há rancor, aqui não há magoa. Aqui não há nada que você precise temer e não precisa se esconder de nada. Vamos ficar juntos para sempre agora.
Uma lagrima quente escorreu dos meus olhos e caiu no chão fazendo um barulho agudo como se alguém tivesse apertado a tecla de um piano perfeitamente afinado.
Tudo ficou escuro novamente.

Eu não sentia mais nada.

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